Uma Jornada Entre Livros, Sonhos e Olhares
Nasci no interior do Paraná, em uma pequena cidade cercada por campos verdes e montanhas suaves, onde o som das cigarras se misturava ao vento e o cheiro da terra molhada era o perfume das manhãs. Desde cedo, aprendi a encontrar nos livros um refúgio e uma janela para o mundo. As estantes cheias de histórias eram o centro da casa — um espaço sagrado onde eu descobria, em silêncio, o poder do conhecimento.
Cresci em uma família miscigenada, marcada pela herança japonesa dos meus avós paternos, vindos de Okinawa, e pela simplicidade e força do povo do interior. Da cultura japonesa, herdei o respeito, a disciplina e a delicadeza nos gestos; da vida rural, a resiliência e o amor pela natureza. Essa combinação formou em mim a base do que se tornaria o meu maior propósito: estudar para compreender o ser humano e cuidar dele.
Aos 14 anos, deixei minha cidade natal para estudar em Londrina, um centro maior, onde o mundo parecia girar mais depressa. Foi um período de descobertas e desafios. Lembro-me com carinho da professora Maria das Graças, que, com seu olhar acolhedor e fé na capacidade dos alunos, me ensinou que as dificuldades fazem parte da caminhada de quem sonha alto. Foi ela quem me ajudou a superar minha primeira nota vermelha e a compreender que o aprendizado também nasce dos erros, desde que se tenha humildade para reconhecê-los.
Em meio às amizades sinceras, vivi também momentos de dor. O bullying por ser mestiça e neta de japoneses de Okinawa me feriu, mas também fortaleceu. Aprendi que a diferença é fonte de riqueza e que o orgulho de ser quem sou é o maior escudo contra o preconceito.
Com o tempo, a dedicação aos estudos se transformou em prazer. Cada conquista, cada novo conhecimento, era um passo em direção ao sonho de cursar medicina. E assim, com esforço e o apoio de muitas pessoas que cruzaram meu caminho, consegui ser aprovada em uma faculdade federal no Rio Grande do Sul.
O fascínio pela psiquiatria surgiu no último ano do curso, durante um estágio optativo na Unidade de Terapia Intensiva. Lembro-me de uma manhã agitada: enquanto coletava a gasometria de um paciente, apressada e preocupada em não cometer erros, percebi que ele me olhava fixamente. Com voz fraca, murmurou algo que soou como “filho”. O momento foi breve, quase imperceptível, mas me tocou profundamente.
Mais tarde, ao conversar com o residente, descobri a história daquele senhor — um homem que havia se afastado do filho do primeiro casamento há mais de vinte anos. Com a ajuda da equipe, conseguimos localizar o filho e possibilitar um reencontro na UTI. O olhar entre os dois, mesmo em meio à fragilidade da vida, foi de uma intensidade indescritível. No dia seguinte, o paciente faleceu, mas algo dentro de mim havia se transformado.
Foi naquele instante que compreendi que a medicina vai além dos procedimentos e diagnósticos: ela é feita de encontros, de olhares e de escuta. Aquele paciente, com seu último gesto, me mostrou o valor da presença e da conexão humana — e foi assim que encontrei, verdadeiramente, a psiquiatria.
Hoje, ao olhar para trás, vejo que cada etapa — os livros da infância, o olhar de Maria das Graças, as dores do preconceito, as amizades sinceras e as perdas inevitáveis — foram degraus que me conduziram até aqui. Minha jornada é, antes de tudo, uma história de aprendizado e de fé na capacidade do ser humano de se reinventar e de amar, mesmo nas situações mais difíceis.
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